
CARACTERIZAÇÃO DO CULTIVO E CONSERVAÇÃO DA AGROBIODIVERSIDADE EM LOTES URBANOS VAGOS EM DUAS PEQUENAS CIDADES NO ESTADO DE SÃO PAULO
Resumo
A agricultura urbana e periurbana (AUP) é um fenômeno mundial crescente e traz uma gama de benefícios, como a busca da segurança alimentar e nutricional, geração de renda e a possibilidade de conservação de agrobiodiversidade on farm. No Brasil, cidades de pequeno porte e zonas periféricas de metrópoles ainda apresentam características rurais, como espaços intersticiais desocupados, possibilitando a ex-moradores das zonas rurais a manutenção do hábito de plantar. O objetivo deste estudo foi descrever a agricultura urbana praticada nos lotes vagos em duas cidades do interior do estado de São Paulo, Charqueada (CH) e Santa Gertrudes (SG), abordando os seguintes aspectos: caracterização socioeconômica dos entrevistados; caracterização dos lotes quanto a posse, tempo de cultivo e manejo agrícola; e registro das plantas e variedades cultivadas, com ênfase nas raízes e tubérculos, com vistas a avaliar o potencial para a conservação de agrobiodiversidade on farm nesses espaços. Todos os lotes cultivados na malha urbana foram georreferenciados, para o estabelecimento de uma amostra geral (77 em CH e 43 em SG) para a caracterização da população quanto a aspectos socioeconômicos e relativos à agricultura praticada. Posteriormente, selecionou-se uma subamostra (30 em CH e 20 em SG), para inventário das plantas cultivadas. Os levantamentos foram realizados por meio de entrevistas estruturadas e semi-estruturadas, utilizando-se a turnê guiada nos lotes para o levantamento das plantas. Os agricultores são na grande maioria homens acima de 50 anos de idade, de baixa renda e baixa escolaridade; não há participação efetiva dos jovens. Há uma presença importante de migrantes de outros estados, nordestinos em CH e mineiros em SG. Levantaram-se 102 etnoespécies de plantas cultivadas, principalmente alimentares, sendo as mais frequentes (>40% dos lotes em ambas as cidades) mandioca, mamão e quiabo. Vários cultivos apresentaram etnovariedades, mas o conhecimento dos agricultores sobre as mesmas não é muito aprofundado. A agrobiodiversidade levantada atesta o potencial da agricultura urbana para conservação on farm, porém o desinteresse dos mais jovens e as pressões de ocupação imobiliária do solo urbano podem dificultar sua continuidade. Há necessidade de políticas públicas que ordenem a atividade e garantam um mínimo de estabilidade, bem como da conscientização da população em geral sobre o papel e a importância da conservação da diversidade agrícola.
Palavras-chave
Texto completo:
Camargo et al. 2017Referências
AKINNIFESI, F. K.; SILESHI, G.W.; AJAYI, O.C.; AKINNIFESI, A.I.; MOURA, E.G.; LINHARES, J.F.P.; RODRIGUES. Biodiversity of the urban homegardens of São Luís city, Northeastern Brazil. Urban Ecosystems, New York, v.13, n.1, p.129-146, 2010.
ALBUQUERQUE, U. P.; LUCENA, R. F. P. ALENCAR, N. L. Métodos e técnicas para coleta de dados etnobiológicos. In: ALBUQUERQUE, U.P.; LUCENA, R. F. P.; CUNHA, L. V. F. C. (Ed). Métodos e técnicas na pesquisa etnobiológica e etnoecológica. Recife: NUPEEA, 2010. p. 39-64.
ALTIERI, M. A. et al. The greening of the “barrios”: Urban agriculture for food security in Cuba. Agriculture and Human Values, Holanda, v.16, p. 131-140. 1999
AMOROZO, M. C. M. Diversidade agrícola em um cenário rural em transformação: será que vai ficar alguém para cuidar da roça? In: MING, L.C.; AMOROZO, M.C.M.; KFFURI, C.W. (Org.). Agrobiodiversidade no Brasil – experiências e caminhos da pesquisa. 2ª ed. Recife: NUPEEA, 2012. p. 378-394.
AMOROZO, M. C. M. Maintenance and management of agrobiodiversity in small-scale agriculture. Functional Ecosystems and Communities, Japão, edição especial, n. 2, p. 11-20, 2008.
AMOROZO, M.C.M. Management and conservation of Manihot esculenta Crantz. germ. plasm by traditional farmers in Santo Antonio do Leverger, Mato Grosso State, Brazil. Etnoecologica, México, v. 4, n. 6, p. 69-83, 2000.
AMOROZO, M. C. M; VIERTLER, R. B.; A abordagem qualitativa na coleta e análise de dados em etnobiologia e etnoecologia. In: ALBUQUERQUE, U. P.; LUCENA, R. F. P.; CUNHA, L. V. F. C. (Ed). Métodos e técnicas na pesquisa etnobiológica e etnoecológica. Recife: NUPEEA, 2010. p. 65-82.
ARAÚJO, C. R.; AMOROZO, M.C.M. Manutenção da diversidade agrícola em assentamentos rurais: um estudo de caso em Moji-Mirim, SP, Brasil. Biotemas, Florianópolis, v. 25, n.3, p. 265-280, 2012.
BERNHOLT, H.; KEHLENBECK, K.; GEBAUER, J.; BUERKERT, A. Plant species richness and diversity in urban and peri-urban gardens of Niamey, Niger. Agroforestry Systems, Dordrecht, v. 77. p.159-179, 2009.
BON, H.D.; PARROT, L.; MOUSTIER, P. Sustainable urban agriculture in developing countries. A review. Agronomy for Sustainable Development, Dordrecht, v. 30, p. 21-32, 2010.
BOTUCATU, PREFEITURA MUNICIPAL. Programa Hortas Comunitárias, 2014. Disponível em: http://www.botucatu.sp.gov.br/ Acesso em 27 mai. 2014
BRITTO, F. Minas e o Nordeste: perspectivas migratórias dos dois grandes reservatórios de força de trabalho. Anais do II Encontro Nacional sobre migração da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, Ouro Preto, MG, p. 169-186, 1999.
BRODT, S. B. A system perspective on the conservation and erosion of indigenous agricultural knowledge in Central India. Human Ecology, New York, v.29, n. 1, p.99-120, 2001.
BRYLD, E. Potentials, problems and policy implications for urban agriculture in developing countries. Agriculture and Human Values, Dordrecht, v. 20, p.79-86, 2003.
CARDOSO, C.E.L.; GAMEIRO, A.H. Caracterização da cadeia agroindustrial. In: SOUZA, L.S.; FARIAS, A.R.N.; MATTOS, P.L.P.; FUKUDA, W.M.G. (Ed.). Aspectos socioeconômicos e agronômicos da mandioca. Cruz das Almas: Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical, 2006. p.19-40.
CARLI, C.H. Santa Gertrudes: barro, arte e tecnologia moldando sua história. São Paulo: Noovha America, 2008.
CARNIELLO, M. A. et al. Quintais urbanos de Mirassol D'Oeste-MT, Brasil: uma abordagem etnobotânica. Acta Amazonica, Manaus, v. 40, n. 3, p. 451-470, 2010.
CEUTERICK, M.; VANDEBROEKE, I.; PIERONI, A. Resilience of Andean urban ethnobotanies: A comparison of medicinal plant use among Bolivian and Peruvian migrants in the United Kingdom and in their countries of origin. Journal of Ethnopharmacology, v.136, p. 27-54, 2011.
CHERNELA, J.M. Os cultivares de mandioca na área do Uaupés (Tukâno). In: RIBEIRO, B. (coord.) Suma Etnológica Brasileira. Petrópolis: FINEP/ Ed. Vozes, v. 1, 1986. p.151-158.
CULTRERA, M.; AMOROZO, M. C. M.; FERREIRA, F. C. Agricultura urbana e conservação de agrobiodiversidade: um estudo de caso em Mato Grosso, Brasil. Sitientibus série Ciências Biológicas, Feira de Santana, v. 12, n. 2, p. 323–332, 2012.
EICHEMBERG, M.T.; AMOROZO, M.C.M.; MOURA, L.C. Species composition and plant use in old urban homegardens in Rio Claro, Southeast of Brazil. Acta Botanica Brasilica, Feira de Santana, v. 23, n. 4, p.1057 -1075, 2009.
EMPERAIRE, L.; ELOY, L. A cidade, um foco de diversidade agrícola no Rio Negro (Amazonas, Brasil)? Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, série Ciências Humanas, Belém, v. 3, n. 2, p. 195-211, 2008.
FIDALGO, O.; BONONI, V. L. R. (Coord.). Técnicas de coleta, preservação e herborização de material botânico. São Paulo. Instituto de Botânica. 1984. 62p.
FUNDAÇÃO SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS (SEADE). Informações dos Municípios Paulistas, 2013. Disponível em: http://produtos.seade.gov.br/produtos
Acesso em 27 nov. 2013.
FUNDAÇÃO SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS (SEADE). Disponível em:http://produtos.seade.gov.br/produtos/divpolitica/index.php?page=tabela&action=load&nivel=10 Acesso em: 16 jul. 2014
HODGKIN, T. Home gardens and the maintenance of genetic diversity. In: WATSON, J.W. & EYZAGUIRRE, P.B. (eds.) Proceedings of the Second International Home Gardens Workshop: Contributions of home gardens to in situ conservation of plant genetic resources in farming systems. 17-19 July, 2001, Witzenhausen, Germany. Rome: IPGRI, 2002. p. 14-18.
HODGKIN, T.; Et al. Seed systems and crop genetic diversity in agroecosystems. In: JARVIS, D.I.; PADOCH. C.; COOPER, H.D. Managing biodiversity in agricultural ecosystems. New York: Columbia University Press, 2007. p. 77-115.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo 2010a. Disponível em: . Acesso em: 09 dez. 2010.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE).Censo 2010b. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 >. Acesso em: 31 out. 2010.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo 2010c. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1. Acesso em 31 out. 2010.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Produção agrícola municipal 2012. Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=351170&idtema=123&search=sao-paulo Acesso em: 10 jan. 2014.
KAGEYAMA, A.A. Alguns efeitos sociais da modernização agrícola em São Paulo. In: MARTINE, G.; GARCIA, R.C.(org.) Os impactos sociais da modernização agrícola. São Paulo: Ed. Caetés, 1987. p 99-123.
KREJCIE, R.V.; MORGAN, D.W. Determining sample size for research activities. Educational and Psychological Measurement, v. 30, p 607-610, 1970.
LEE-SMITH, D. Cities feeding people: an update on urban agriculture in equatorial Africa. Environment & Urbanization, London, v. 22, n.2, p. 483-499, 2010.
MADALENO, I.; Urban agriculture in Belem, Brazil; Cities, Grã-Bretanha, v. 17, n. 1, p. 73-77, 2000.
MARTINS, P.S.; OLIVEIRA, G. C.X. Dinâmica evolutiva em roças de caboclos amazônicos. In: VIEIRA, I.C.G.; SILVA, J.M.C.; OREN, D.C.; D’INCAO, M.A. Diversidade biológica e cultural da Amazônia. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2009. p. 373-389.
MASSARO JUNIOR., L. R.; Levantamento de raízes e tubérculos nos assentamentos rurais Araras I, II, III e IV, no município de Araras, SP. 2009. 28p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Biológicas) – Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, 2009.
MINAYO, M. C. S.; DESLANDES, S. F.; CRUZ NETO, O.; GOMES, R. Pesquisa Social – teoria, método e criatividade. 22. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. 80 p.
MOLINARI, A. M. C.; RASERA, E. A.; REIS, F. P. Memórias de Charqueada. Charqueada: Secretaria Municipal de Educação e Cultura, 2000.
OLIVEIRA, A.S. Estudo da diversidade agrícola de raízes e tubérculos em assentamentos rurais no interior paulista. 2014. 89 p. Dissertação (Mestrado em Ciências Biológicas) - Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, 2014.
OLIVEIRA, J. B.; JACOMINE, P.K.T.; CAMARGO, M.N. Classes gerais de solos no Brasil: guia auxiliar para seu reconhecimento. Jaboticabal: FUNEP, 1992.
OLIVEIRA, K. F.; JANUZZI, P. M. Motivos para migração no Brasil: padrões etários, por sexo e origem/destino. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 14, 2004, Caxambu, MG. Anais... Caxambu, MG, 2004.
OLIVEIRA, P. S.; Plantas alimentares de raízes e tubérculos na agricultura familiar: um estudo de caso com enfoque etnobotânico com agricultores do munícipio de Rio Claro. 2011. 56 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Biológicas) – Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, 2011.
RESENDE, S.; CLEPS JUNIOR, J. A agricultura urbana em Uberlândia (MG). Caminhos da geografia, Uberlândia, MG, v. 6, n. 19, p. 191-199, 2006.
SAMBATTI, J.B.M.; MARTINS, P.S.; ANDO, A. Folk taxonomy and evolutionary dynamics of cassava: a case study in Ubatuba, Brazil. Economic Botany, New York, v. 55, n. 1, p. 93-105, 2001.
SÃO PAULO, PREFEITURA MUNICIPAL. 2014. Disponível em:
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/abastecimento/agricultura_urbana/index.php?p=153588 Acesso em 26 mai. 2014.
SATTERTHWAITE, D.; McGRANAHAN, G.; TACOLI, C. Urbanization and its implications for food and farming. Philosophical Transactions of the Royal Society, London, v. 365, p. 2809-2820, 2010.
SIVIERO, A.; DELUNARDO, T.A.; HAVERROTH,M. OLIVEIRA, L.C.; MENDONÇA, A.M.S. Cultivo de espécies alimentares em quintais urbanos de Rio Branco, Acre, Brasil. Acta Botanica Brasilica, Belo Horizonte, v. 25, n. 3, p. 549-556, 2011.
SMIT, J.; NASR, J. Urban agriculture for sustainable cities: using wastes and idle land and water bodies as resources. Environment and Urbanization, v. 4, n. 2, p. 141-152, 1992.
TACOLI, C. Beyond the rural-urban divide. Environment & Urbanization, London, v. 10, n. 1, p. 3-5, 1998.
THOMPSON. J. L.; GEBAUER, J.; HAMMER, K; BUERKERT, A. The structure of urban and peri-urban gardens in Khartoum, Sudan. Genetic Resources and Crop Evolution, Dordrecht, v. 57, p. 487-500, 2010.
VALLE, T. L. Coleta de germoplasma de plantas cultivadas. In: AMOROZO, M. C. M.; MING, L. C.; SILVA, S. P. (Ed). Métodos de coleta e análise de dados em Etnobiolgia, Etnoecologia e disciplinas correlatas. Rio Claro: UNESP/CNPQ, 2002. p. 129-154.
VEIGA, J. E. Cidades imaginárias – o Brasil é menos urbano do que se calcula. 2 ed. Campinas: Ed. Autores Associados, 2003. 304 p.
VIERTLER, R. B. Métodos antropológicos como ferramenta para estudos em etnobiologia e etnoecologia. In: AMOROZO, M. C. M.; MING, L. C.; SILVA, S. P. (Ed). Métodos de coleta e análise de dados em etnobiologia, etnoecologia e disciplinas correlatas. Rio Claro: UNESP/SBEE/CNPq. 2002. p. 11-29.
WINKLERPRINS, A. M. G. A. House-lot gardens in Santarém, Pará, Brazil: linking rural with urban. Urban Ecosystems, Dordrecht, v. 6, p. 43-65, 2002.
ZEZZA, A.; TASCIOTTI, L. Urban agriculture, poverty, and food security: Empirical evidence from a sample of developing countries. Food Policy, London, v. 35, p. 265-273, 2010.
DOI: http://dx.doi.org/10.22276/ethnoscientia.v2i1.45
Apontamentos
- Não há apontamentos.
Direitos autorais 2017 Ethnoscientia - Brazilian Journal of Ethnobiology and Ethnoecology
ISSN 2448-1998
www.ethnoscientia.com